A religião não serve para iluminar: a religião serve para obscurecer. A religião serve para mascarar o fato de que vamos morrer. Ninguém voltou para dizer o contrário. A religião serve para camuflar essa castração que carregamos e não suportamos. Não deveríamos fugir dela. Seríamos menos arrogantes se soubéssemos-nos mortais. A religião legítima a perversão – ao propagar o perdão e a compaixão divinas. A religião precisa ter o que condenar para sobreviver de redimir. Seríamos bem mais humildes se assumíssemos que não temos poder sobre tudo. Não deveríamos partir de uma ilusão: sofreríamos menos no momento do encontro – inevitável – com a verdade. Deveríamos alegrar não com o fato de que não vamos morrer. Deveríamos alegrar com tudo o que podemos viver. Não quero uma religião que me prive de viver o meu agora em detrimento do que nem sei se viverei amanhã. Quero viver o meu agora – exatamente – porque tenho ciência de que posso não poder vivê-lo logo mais. Não vivo para morrer: morro para viver. É por me saber mortal que não abro mão de viver tudo o que posso. Não nasci para retardar o que tenho de mais seguro: viver.
Evaristo Magalhães – Psicanalista