Tenho saudades da minha infância. Minha vida era completa. Eu não era o sujeito e o mundo era o objeto: não havia separação. Eu era um com todo o meu entorno. Eu corria e brincava o tempo todo.
A vida era só fazer, tocar, sentir e saborear. Não havia ordem. Não havia antes e nem depois. Não havia preocupação, dúvida, medo, ansiedade ou angústia.
Tudo era puro fluxo. Tudo era festa.
Lembro de passar da mangueira para a cachoeira, da pipa para a bandeirola e do pique-esconde para a bola de gude.
A integração era tanta que eu mal percebia a alternância das estações.
Era eu mergulhado no mundo e o mundo mergulhado em mim – e sem qualquer distanciamento.
Era como se tudo fosse meu. Era como se tudo fosse eu. Era como se eu fosse a árvore, a chuva, a neblina e o ar.
Meu mundo não tinha metade. Meu mundo era completo porque não havia questionamento. Era tudo experimentação.
Não havia diferença entre os dias, as semanas, os meses e os anos. Tudo era hipnótico. Tudo era só usufruto – e sem saber do que estava acontecendo.
Eu não pensava. Se eu pensasse era porque algo me faltava – e nada faltava.
A vida era vivida com o que tinha de mais literal. Eu não estava sobre o mundo: eu era o mundo.
Mais tarde me levaram para para a escola e para igreja: meu mundo nunca mais foi o mesmo!
Evaristo Magalhães – Psicanalista