Há o que sabemos e o que não sabemos. Recalcamos o que nos perturba. Recalcamos o que não gostamos. Recalcamos o que não tomamos como nosso.
O que recalco é meu – ainda quando o nego. Se recalco é porque sou – e não admito. Se recalco é porque desejo – e não assumo.
O que recalcamos é real: ninguém recalca o nada.
Todo saber é uma escolha. Contudo, não somos só o que sabemos: desejamos o que não sabemos. Desejamos – também – coisas que nos são estranhas.
Precisamos falar do que queremos – mas negamos querer.
Do que não falamos, retorna como contravontade nossa. Retorna como ódio, agressão, angústia, ansiedade, stress, tensão, surto e morte.
Temos que enfrentar o que está em nós – e que abominamos. É por não falarmos que isso volta quando menos esperamos. É para o que recalcamos que fazemos cara de paisagem, sentimos remorso, revolta e medo.
Somos culpados todas as vezes que o recalcado bate à nossa porta. Ele vem à tona – exatamente – porque não o deixamos suficientemente claro.
Tudo o que não é explicado retorna em estado bruto. Tudo que não é nomeado volta como fantasma a perturbar nosso sossego.
O estranho deixa de ser medo quando tomado pela palavra.
Não podemos temer. Evitar já é um jeito de gozar. O gozo volta e exatamente como o tratamos. Ou seja, como absurdo.
Precisamos falar das nossas castrações. Temos que falar do que escondemos com a mesma tranquilidade com que lidamos com o que mostramos. Por que negar uma verdade que está dentro de nós?
É até justificável silenciar para o outro. O que não faz sentido é silenciar para si. O que não faz sentido é não dividir consigo a sua própria dor.
Como alguém pode alimentar para si a sua própria hipocrisia? Como pode alguém se massacrar – uma vez que ninguém mais além de si vive em si?
Evaristo Magalhães – Psicanalista