É complicado fazer a passagem da luz para a escuridão e do barulho para o silêncio. O breu e o vazio – em geral – são compostos de imagens e sensações não muito agradáveis.
É sempre mais seguro ficar de olhos bem abertos. Toda travessia escura é sempre complicada.
Quem dera se pudéssemos dormir acordados!
Dormir é como se dar ao nada. E o nada é mesmo muito desesperador. Quantos dormiram e nunca mais acordaram!
Quem teme, não dorme. A insônia é sintomática de uma certa obsessão que temos pela eternidade.
Dormir é perder o controle. Toda insônia resulta da nossa dificuldade de nos perder do controle sobre nós mesmos.
Dormir é perder o domínio de si e do mundo. É se jogar ao infinito. Dormir é se desprender.
Quem tem insônia deve se sentir possessivo de si como uma mãe que nunca dorme com medo de perder seu bebê.
Dormir é sinal de coragem. Dormir é abrir mão de tudo. É meio que experimentar largar de si. É meio que correr o risco de ser atacado sem saber.
Certas pessoas não dormem porque temem serem invadidas. Aqueles muito inquietos devem penar para adormecer.
Dormir é uma das experiências mais radicais de solidão. Dormir é ter que se haver com o nada – e no tudo pode acontecer no nada.
O mundo pode acabar a noite e ninguém se protege dormindo. Isto explica por que as crises de pânico ocorrem – quase sempre – durante a noite.
Dormir é se desligar. É se entregar ao escuro. É experimentar o nada.
Gosto de quem se dá. Gosto de quem se joga. Gosto de quem se arrisca. Tenho reservas das pessoas que quase nunca dormem ou que só conseguem dormir entupidas de tranquilizantes.
Autor: Evaristo Magalhães – Filósofo e Psicanalista
Adorei, amigo. Interessante como você passou da terceira pessoa do singular para a primeira do plural, deixando seu texto mais íntimo e ainda mais verdadeiro!
Parabéns!
Bjs,
Mari
Adorei e me reconheço nos exemplos dados aos que sentem pânico ao pensar em dormir. Dr. Evaristo teria reservas a meu respeito. 😊